As represas que abastecem a Grande São Paulo iniciaram 2021 no nível mais baixo em cinco anos. O Sistema Cantareira que abastece cerca de 7,5 milhões de pessoas por dia, 46% da população da Região Metropolitana de São
Paulo, está em nível de alerta com volume registrado abaixo de 40%. Antes da crise hídrica operava com 44% da
capacidade em média. Desde outubro de 2019 as precipitações estão abaixo da média histórica. Daí a importância dos “rios voadores” e das tão esperadas águas de março!
Rios Voadores: o que são, como nascem, de onde vêm, para onde vão?
Os rios voadores são “cursos de água atmosféricos” formados por massas de ar carregadas de vapor de água, que
formam nuvens carregadas propelidas pelos ventos. Essas correntes de ar invisíveis passam em cima das nossas
cabeças carregando umidade da Bacia Amazônica para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.
O conceito de rios atmosféricos foi introduzido em 1992 por Reginald Newell e Nicholas Newell para descrever fluxos
filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de água como vapor. Sempre aprendemos que a água que evapora do mar “vai” para os continentes, cai como chuva, é coletada nos rios de superfície e retorna ao mar. Porém recentemente a ciência demostrou por que a evaporação do mar vai para os
continentes. Os cientistas demonstraram como os rios aéreos trazem a água fresca renovada na evaporação do
oceano.
Na zona equatorial há maior incidência solar que provoca uma maior ascensão de ar, que se resfria e faz chover,
favorecendo florestas. Este fenômeno é conhecido pelos cientistas como “Circulação de Hadley”, modelo de circulação fechada da atmosfera terrestre, predominante nas latitudes equatoriais e tropicais, intimamente relacionada aos ventos alísios, às zonas tropicais úmidas do planeta.
No entanto, recentemente a teoria da “bomba biótica” veio explicar que a potência que propele os ventos canalizados nos rios aéreos na América do Sul deve ser atribuída à Floresta Amazônica; que funciona, como coração do ciclo hidrológico. A grande floresta não somente mantém o ar úmido para si mesma, mas exporta rios aéreos de vapor que, transportam a água para as chuvas fartas que irrigam regiões distantes no verão hemisférico. Os estudos sobre a “bomba biótica” foram publicados no artigo: O Futuro Climático da Amazônia, coordenado por PhD Antônio Donato Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, que reuniu pesquisadores como o prof. José Marengo do CPTEC – Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, como o prof. Enéas Salati da Universidade de São Paulo – USP e o educador Gerard Moss,
entre outros.
Transpiração das plantas
Evapotranspiração é a perda de água do solo por evaporação e a perda de água da planta por transpiração. As plantas
suam. A água, ao evaporar, resfria a folha e o ambiente. As árvores transferem grandes volumes de água do solo para
a atmosfera através da transpiração e com isso elas mantém úmido o ar em movimento. A transpiração também
promove a sucção pelas raízes e o fluxo ao longo do tronco, até as folhas, da água do solo, que carrega consigo
nutrientes; permite que a folha abra seus microportais para a atmosfera (estômatos), por onde sai o vapor, mas também por onde entra o adubo gasoso mais essencial, o CO2. Portanto, sem transpirar a planta deixaria de regular seu próprio bem-estar, cessaria de controlar o ambiente e acabaria morrendo por falta de nutrientes, dentre eles o CO2, e excesso de temperatura.
Como as plantas fazem chover
Nuvens são aglomerados de pequenas gotículas em suspensão no ar. Gotas visíveis se condensam a partir do vapor,
que é invisível, pelo efeito da baixa temperatura. Mas somente temperatura não inicia o processo de condensação. É
preciso haver também uma superfície sólida ou líquida que funcione como “semente” para que se inicie a deposição
das moléculas de vapor. Essas sementes, ou núcleos de condensação, são em geral aerossóis atmosféricos: partículas
de poeira, grãos de pólen ou de sal, fuligem e outros como os compostos orgânicos voláteis – COVs. As plantas produzem gases com odores (COVs) biogênicos, conhecidos como isoprenos e monoterpenos, que saem junto com a água transpirada na fotossíntese. Essas substâncias são precursoras da condensação do vapor d’água e desempenham papéis importantes no funcionamento da atmosfera e das chuvas. Os COVs produzidos pelas plantas formam aerossóis, por meio de reações de oxidação, que ao se acumularem concentram-se e condensam-se na
atmosfera e formam as nuvens e a chuva.
Como um vidro de perfume aberto perde seu líquido por evaporação e o gás-perfume difunde-se pelo ambiente, uma
variedade de substâncias orgânicas evapora nas folhas e ganha a atmosfera na Amazônia. Afirmaram recentemente
os cientistas brasileiros do INPA e da USP, e europeus da Holanda, Alemanha e Itália, no artigo em pauta referenciado.
Outro estudo publicado recentemente no periódico científico Nature, relatou sobre a importância extraordinária da
vegetação global no processo de transferência de água para a atmosfera: quase 90% de toda a água que chega à
atmosfera oriunda dos continentes chegou lá através da transpiração das plantas, e somente pouco mais de 10% como simples evaporação sem mediação das plantas.
A Floresta Amazônica transpira 20 bilhões de toneladas de água por dia (ou 20 trilhões de litros)
O pesquisador Antonio Donato Nobre do INPE/INPA estimou a quantidade total diária de água que flui do solo para a atmosfera através das árvores na Amazônia, com 5,5 milhões de km2 de área. A Floresta Amazônica transpira 20
bilhões de toneladas de água por dia (ou 20 trilhões de litros), enquanto que a quantidade de água despejada pelo rio
Amazonas no oceano Atlântico é pouco mais de 17 bilhões de toneladas ao dia.
A Floresta Amazônica funciona como uma bomba d’água. Ela puxa para dentro do continente a umidade evaporada
pelo oceano Atlântico e carregada pelos ventos alísios. Ao seguir terra adentro, a umidade cai como chuva sobre a
floresta. Pela ação da evapotranspiração das árvores sob o sol tropical, a floresta devolve a água da chuva para a
atmosfera na forma de vapor de água. Dessa forma, o ar é sempre recarregado com mais umidade, que continua sendo transportada rumo ao oeste para cair novamente como chuva mais adiante.
Propelidos em direção ao oeste, os rios voadores (massas de ar) recarregados de umidade – boa parte dela
proveniente da evapotranspiração da floresta – encontram a barreira natural formada pela Cordilheira dos Andes. Eles se precipitam parcialmente nas encostas leste da cadeia de montanhas, formando as cabeceiras dos rios amazônicos. Porém, barrados pelo paredão de 4.000 metros de altura, os rios voadores, ainda transportando vapor de água, fazem a curva e partem em direção ao sul, rumo às regiões do Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil e aos países vizinhos. É assim que o regime de chuva e o clima do Brasil se deve muito a Floresta Amazônica e a um acidente geográfico localizado fora do país! A chuva, claro, é de suma importância para nossa vida, nosso bem-estar e para a economia do país. Ela irriga as lavouras, enche os rios terrestres e as represas que fornecem nossa energia.
A Bomba Biótica da Mata Atlântica
A Bomba Biótica da Mata Atlântica funciona como o coração do ciclo hidrológico e sistema circulatório na região da Serra do mar. Temos dois corpos de água, o oceano azul, que já conhecemos e a floresta. A transpiração da floresta é tão grande quanto a do oceano, mas a condensação de nuvens na floresta é muito maior por causa dos compostos orgânicos voláteis (COVs) biogênicos citados, que são as partículas de odores das plantas que estão no ar! Essas partículas são atraídas por água, ou seja, buscam moléculas de água no ar e se juntam com a umidade da transpiração das árvores formando nuvens! Como a condensação é maior na floresta, a pressão abaixa e puxa o
ar úmido do oceano.
Eis a bomba biótica. Daí a floresta envia essas nuvens em forma de rios voadores para o interior do continente, que
enchem d’água os mananciais da RMSP. Se os familiares rios são análogos às veias, que drenam a água usada e a
retornam para a origem no oceano, os rios aéreos são as artérias, que trazem a água fresca, renovada na evaporação
do oceano.
Como em um edifício com muitos pisos, um metro quadrado de chão na floresta pode ter sobre si até 10,0 m2 de
intrincada superfície foliar distribuída em diferentes níveis no dossel. Nisso reside a explicação para o fato de uma
superfície terrestre florestada poder evaporar tanto quanto ou até mais água que a superfície líquida de um oceano ou um lago, na qual 1,0 m2 de superfície evaporadora coincide com apenas o mesmo 1,0 m2 da superfície geométrica.
Assim, uma região florestada, que evapora tanta ou mais água que uma superfície oceânica contígua – e que terá
muito mais condensação na produção de chuvas –, irá sugar do mar para a terra as correntezas de ar carregadas de
umidade, onde ascenderão, o que trará chuvas para a área florestada. Ao contrário, se a floresta for removida, o
continente terá muito menos evaporação do que o oceano contíguo – com a consequente redução na condensação, o
que determinará uma reversão nos fluxos de umidade, que irão da terra para o mar, criando um deserto onde antes
havia floresta. Portanto devemos proteger os mananciais, por que a floresta é a mãe das águas.
* Prof. John E. Tatton é Colunista da Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp. Trabalhou por 40 anos na Sabesp, onde implementou a Educação Ambiental e o PEA Sabesp. Atualmente é professor de Saneamento Ambiental no Curso de Engenharia na Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP e Presidente da Associação Guardiã da Água (ONG).